Entre serras, rios, veredas, vãos e grotões vive a maior comunidade quilombola do país com mais de 5 mil habitantes, precisamente na região nordeste de Goiás, numa extensão que compreende cerca de 256 mil hectares. Fora no primeiro quarto do século XVIII que o quilombo se formou com a fuga de negros escravizados, oriundos principalmente da costa ocidental africana, os quais, trazidos à força, eram obrigados a trabalhar na atividade aurífera brasileira. Incógnito nas profundezas do sertão goiano durante séculos, o povo kalunga não apenas desenvolveu ali sua cultura, mas também inventou formas de sobreviver à seca e fenômenos climáticos.
As fotos aqui selecionadas em muito ultrapassam o limite físico ou a delimitação do enquadramento da câmera operada esteticamente pelo fotógrafo. Cada imagem captada em seu microcosmo flerta com o infinito, com o universo ancestral e mítico afro-brasileiro, no qual a figura humana compõe um amálgama em perfeita sintonia com os elementos da natureza. Cada recorte da realidade quilombola são pés e mãos que se prendem ao solo e à vida como rijos baobás, rios que lavam e batizam inaugurando manhãs, guimba e fumaça de saberes ancestrais.
O Povo Kalunga nos conduz através de um fascinante território que parece estar suspenso no tempo e no espaço. Trata-se de um legítimo e pouco reconhecido patrimônio cultural cravado há muito no coração do Brasil, cujas longínquas matrizes em África ganham vida e substância.
SerTão Kalunga é um convite a uma viagem transformadora que ao revelar o outro acaba por conhecer a própria identidade: candeia que ilumina um passado obscuro e silenciado, mas que, agora, ajuda-nos a (re)construir nossa própria imagem através dos séculos.
(Trecho do livro SerTão Kalunga – Texto: Adilson Franzin)